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Sexta-feira, 18 de Abril de 2025, 02h:13

FILMES

Alex Garland incomoda o público ao mostrar a guerra no Iraque em tempo real

Alex Garland incomoda o público ao mostrar a guerra no Iraque em tempo real

LEONARDO SANCHEZ
Da Folhapress - São Paulo
Cena do filme Tempo de Guerra

Um grupo celebra efusivamente algo que se desenrola numa tela à sua frente. Poderiam ser fãs da A24, entusiasmados com o fato de a produtora queridinha dos cinéfilos estar lançando ela própria, pela primeira vez, um filme no Brasil. Mas a cena pertence aos personagens deste longa, "Tempo de Guerra", num raro momento de alegria.

Daí para frente, os rapazes que vibravam com as moças de um vídeo de ginástica aeróbica pegam em armas e escoltam o espectador por uma hora e meia de agonia, durante a ocupação americana no Iraque em 2006. Corpos mutilados logo ofuscam qualquer expectativa de leveza.

Dirigido por Alex Garland –um ano depois de fazer "Guerra Civil" também para a A24–, em parceria com Ray Mendoza, ex-integrante da Marinha dos Estados Unidos que estreia como cineasta, "Tempo de Guerra" não é uma experiência agradável.

Se "Guerra Civil", em que Wagner Moura tenta entrevistar o presidente durante um violento conflito em território americano, era quase um "road movie", cobrindo vastas quilometragens, "Tempo de Guerra" se desenrola na claustrofobia de um apartamento sitiado pela Al Qaeda.

Dentro, jovens soldados tentam escapar com seus feridos daquele território inimigo, numa missão mostrada ao espectador em tempo real. Conforme corpos vão sendo dilacerados e militares começam a lidar com os primeiros sinais de estresse pós-traumático, silêncios se alternam com o barulho das balas e dos gritos, sem trilha sonora.

"Não foi nossa intenção fazer um filme gráfico, perturbador, mas queríamos ser honestos. A dor de um soldado alvejado não dura um minuto e meio, como normalmente é o caso no cinema. Nada do que fizemos foi uma escolha criativa, mas sim uma tentativa de mostrarmos aqueles eventos da forma mais fiel possível", diz Garland.

O roteiro, também compartilhado com Mendoza, foi escrito depois de eles se conhecerem em "Guerra Civil", em que o veterano serviu de consultor. A trama foi costurada a partir de seus relatos e dos colegas que viveram aquela angustiante uma hora e meia, mostrada ao espectador sem intervalos.

Diferentemente dos delírios hiperbólicos de "Guerra Civil", que incluía até bombardeios à Casa Branca, "Tempo de Guerra" é mais sóbrio e pé no chão. Não há muito a enquadrar além de paredes cobertas por furos e rostos marcados por pânico, numa trama que avança mais pelas relações construídas entre os personagens, conforme o perigo aumenta, do que pela missão em si.

Essa busca pela humanidade, escondida sob o semblante feroz e os trajes pesados, é comum ao cinema de Garland, que também escavou os personagens de "Ex Machina", que dirigiu, e "Não Me Abandone Jamais", que roteirizou, em busca do que havia de mais cru e ordinário.

Já para Mendoza, testemunha dos horrores da guerra, a missão principal era ser autêntico, dispensando o heroísmo e a romantização comuns ao gênero de guerra para questionar que sacrifício é esse, feito em nome de líderes que decidiram ir ao campo de batalha sem pensar em quem mais tinha algo a perder.

"Não é um filme sobre a Guerra do Iraque. O conflito é apenas o contexto que nos permitiu dissecar as emoções, o caos, o medo, as idiossincrasias de qualquer guerra. Falamos de trauma, de emoções, algo que não somos encorajados a fazer enquanto militares", diz Mendoza.

Encabeçando o elenco, Will Poulter é o mais assertivo, entre a dúzia de jovens atores, quase todos em rápida ascensão no cinema e na TV, que estão na linha de frente de "Tempo de Guerra". Para ele, Hollywood sempre foi vidrada em glorificar a guerra, apesar de suas consequências.

Poulter vive o chefe do batalhão que fica preso, enquanto Charles Melton é seu equivalente na equipe de soldados que tenta se aproximar para resgatá-los. D'Pharaoh Woon-A-Tai ganha mais espaço por viver o próprio Mendoza, e por cuidar das feridas que os personagens de Joseph Quinn e Cosmo Jarvis sofrem.

Kit Connor, Noah Centineo e o brasileiro Henrique Zaga completam o batalhão com idade entre os 20 e os 30 anos, numa escolha que, além de refletir a realidade, casou com a intenção dos diretores de rejeitar homens mais velhos e de alta patente, que não formam a massa de vidas perdidas em campos de batalha mundo afora.

"Sem querer criticar outros filmes de guerra, mas aqui a intenção era mostrar a violência sem seguir a cartilha de Hollywood, sem manipular o espectador emocionalmente. Não há trilha sonora que instiga o público a reagir de uma forma ou de outra. As pessoas vão reagir a uma recriação de eventos reais", diz Poulter.

"Tempo de Guerra" faz bom uso da experiência cinematográfica tradicional, dos alto-falantes que explodem e da telona que esfrega horrores gráficos na cara do espectador. Talvez por isso, com medo de o filme de médio porte ir diretamente para o streaming, a A24 tenha optado por lançá-lo no Brasil com suas próprias mãos.

A Folha apurou que este primeiro lançamento próprio no território brasileiro, porém, é fruto do acaso e não integra uma estratégia da produtora americana de se fazer presente no mercado local. Seus próximos filmes continuam com distribuição de parceiros como a Paris Filmes, que lança "A Lenda de Ochi" no mês que vem.

Ao contrário desses casos, em que a A24 vende os direitos de distribuição no país, em "Tempo de Guerra" o lançamento é feito com o auxílio de um agente –"booker", no termo em inglês usado pela indústria–, que faz a intermediação entre a produtora americana e órgãos e exibidores locais.

O início em tom celebratório, pelo visto, foi mesmo uma fantasia enganosa do que estava por vir, falemos da trama de "Tempo de Guerra" ou do ensaio de uma nova relação entre a A24 e o público brasileiro.

 

TEMPO DE GUERRA

Onde, nos cinemasClassificação 16 ano

sElenco D'Pharaoh Woon-A-Tai, Will Poulter e Cosmo Jarvis

Produção Estados Unidos, Reino Unido, 2025

Direção Alex Garland e Ray Mendoza

 

 


Edição EDIÇÃO 16680




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