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Cuiabá MT, Quarta-feira, 23 de Abril de 2025

ILUSTRADO
Sexta-feira, 18 de Abril de 2025, 02h:16

MÚSICA

Jovem gênio do piano se consagra em festival de música feito em Abu Dahbi

Evento nos Emirados Árabes Unidos é estreia no Oriente Médio para Yunchan Lim, pianista sul-coreano que se tornou destaque

FELIPE MAIA
Da Folhapress - Abu Dahbi
O pianista sul-coreano Yunchan Lim no Abu Dhabi Festival 2025

É de fazer chorar quando Yunchan Lim toca, confirma a maestrina americana Marin Alsop. A regente conduziu a orquestra que acompanhou o pianista na sua performance do concurso Van Cliburn, em 2022, e deixou cair uma lágrima ao fim da apresentação. O solo de Lim lhe garantiu o título da prestigiosa competição com somente 18 anos, um recorde.

Celebrado desde então por críticos da Europa e dos Estados Unidos, tido como gênio por muitos e tão contido com as palavras quanto preciso nas teclas, Lim é a nova sensação no mundo da música. Tanto que ele tem sido capaz até de furar a bolha entre clássico e popular.

Aos 22, o artista é ídolo nacional na Coreia do Sul qual uma estrela de k-pop e chegou até a gravar um Tiny Desk Concert, série de apresentações em vídeo conhecida por ser palco para ídolos da música pop, como Bad Bunny e Dua Lipa.

A estreia de Lim no Oriente Médio, neste último sábado (12), foi, portanto, uma sábia e estratégica escolha do Abu Dhabi Festival. Com mais de duas décadas, o evento já consolidado na região busca se confirmar no cenário internacional: almeja os louros de casas como a Opéra Garnier, em Paris, e redobra nas artes os esforços nacionais de elevar os Emirados Árabes Unidos a capital global.

No recital, Lim mostrou a singularidade de um gênio, algo esperado desde quando fora convidado para vir ao país —o contrato foi assinado há mais de dois anos, e sua agenda dos próximos três anos já está completa. Seu piano é impávido, sem gesto desmedido nem desafio intransponível. Em uma hora e meia de espetáculo, o jovem hipnotiza com sua capacidade de transitar entre destreza e interpretação impecáveis.

Lim abriu com "Round and Velvety-Smooth Blend…", peça contemporânea de autoria do também jovem artista sul-coreano Hanurij Lee. Na sequência, voltou ao palco para apresentar "As Variações de Goldberg", de Bach. Maior obra do compositor e da música ocidental, a peça tem alta dificuldade técnica e exigência interpretativa —uma escolha tão estratégica quanto aquela da curadoria do festival.

Paralelos possíveis com a obra seriam "As Ninfas" de Monet ou "A Divina Comédia" de Dante. Tamanha complexidade não viria sem história: conta-se que Bach compôs as variações para que seu pupilo Johann Goldberg as executasse durantes noites de insônia do conde de cuja corte fazia parte. Talvez um eco ocidental para "As Mil e Uma Noites", a lenda hoje são as interpretações da obra por artistas como Lim.

No palco, o pianista confirmou o frisson que tem causado entre aficionados e neófitos. A peça é longa para a dificuldade que apresenta, sua carga barroca de contrapontos e contrastes. Isso tudo já é uma exigência e tanto para pianistas experientes.

Nada que estivesse aparente, porém, no semblante estóico e nas mãos ágeis de Lim. Na 12ª variação, por exemplo, o jovem controlava diferentes tipos de toque nas teclas com velocidade comparável a mestres de longa data do instrumento, como Glenn Gould.

Na 28ª variação, as trocas de mão em toda a extensão do piano, sua amplitude nas várias oitavas e acurácia no ataque de cada nota mantiveram a sala numa tensão uníssona —não se ouvia um respiro. Era o clímax que antecede a resolução da obra e os aplausos. Lim foi ovacionado por cerca de dez minutos.

O jovem voltou ao palco algumas vezes e se rendeu ao público com um pequeno bis, apesar de todo o esforço físico e mental exigido pelas "Variações". Tocou uma pequena peça de Franz Liszt, uma escolha até jocosa: o pianista húngaro foi o primeiro popstar da música clássica, um feito que Lim deve repetir à sua maneira tímida. As palmas só tiveram fim porque desceram as cortinas do Teatro Vermelho, sala de espetáculos da New York University de Abu Dhabi —um dos pontos nevrálgicos da política cultural e educacional dos Emirados Árabes Unidos.

Até os anos 1960, a cidade de Abu Dhabi, maior dos emirados da região, não passava de uma vila de pescadores espremida entre o Golfo Persa e o Deserto da Arábia. O êxito da indústria petrolífera local e a gestão unificadora e corporativa Sheikh Zayed bin Sultan Al Nahyan —líder finado cuja imagem ainda impera nas cédulas e paredes do país— transformou não só a outrora vila como também os Emirados Árabes Unidos em potência.

Na região, o país se equilibra entre medidas de tolerância e práticas criticadas pela comunidade internacional de direitos humanos. Nesse relógio cada vez mais descompassado, vide a imprevisibilidade de democracias liberais como Estados Unidos e a ascensão da extrema-direita na Europa, os Emirados Árabes Unidos têm o norte nas cidades de Dubai e Abu Dhabi.

Aquela protagoniza o pragmático jogo do capital financeiro, atraindo novos e velhos ricos para seus edifícios arranha-céus espelhados, enquanto esta encampa a ferrenha disputa do capital cultural. Nos últimos anos, parte da cidade se transformou num canteiro de obras com versões locais de grandes museus do mundo, como o Louvre e o Guggenheim, espaços religiosos, como o centro ecumênico Casa da Família Abraâmica, além de universidades como a NYU.

"As narrativas árabes têm sido frequentemente encenadas por outros, e a relevância do talento árabe para a cena global tem sido frequentemente deixada de lado por uma indústria cultural e criativa fortemente centrada no Ocidente", afirma Huda Al Khamis-Kanoo, fundadora do festival. "Tentamos mudar isso por meio de uma variedade de ferramentas, como treinamentos, turnês, colaborações com instituições parceiras —o festival foi uma resposta natural que foi construída ao longo dos anos."

A mecenas trouxe a primeira turnê de Gilberto Gil no mundo árabe, em 2012, como parte do festival. "Hoje tenho grande interesse no trabalho da maestrina Simone Menezes", diz ela. "Também estaria encantada de poder trabalhar com os Irmãos Assad, não apenas porque são brasileiros de ascendência árabe, mas também porque, além de virtuosos do violão clássico, eles também são inovadores extraordinários."

O final de semana ainda contou com apresentação da banda japonesa Kodo. O grupo faz uma versão de palco da tradição percussiva do tambor taiko. Apesar dos resquícios de uma datada world music, época em que o grupo surgiu, a conjunto segue impressionando pela entrega atlética da performance. O Abu Dhabi Festival também segue durante o ano com outros espetáculos, mas a estrela do oriente já brilhou — e seu nome é Yunchan Lim.

 


Edição EDIÇÃO 16680




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