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Cuiabá MT, Quarta-feira, 23 de Abril de 2025

ILUSTRADO
Quarta-feira, 23 de Abril de 2025, 05h:49

TELEVISÃO

Raízes do Brasil com padrão Disney

Como outras séries da empresa, 'Maria e o Cangaço' é ótima produção sem correr riscos

MAURICIO STYCER
Da Folhapress – São Paulo
Bruna Marquezine e Sergio Malheiros em 'Amor da Minha Vida', da Disney

Ainda que modestamente, a gigante Disney tem feito investimentos em conteúdo no Brasil que chamam a atenção. Pensando em duas séries recentes, a ficção "Amor da Minha Vida" e a documental "Volta Priscila", é notável o cuidado da empresa com a qualidade das produções. Por outro lado, espanta o esforço de ficar na superfície, sem aprofundar o potencial que as histórias oferecem.

A série com Bruna Marquezine e Sergio Malheiros, como escrevi ao estrear, é falada em português, mas poderia ser em inglês. Parece um genérico de comédia romântica. Já a série sobre o desaparecimento de Priscila Belfort, possivelmente por medo de ações judiciais, é terrivelmente morna, sem graça e medrosa.

O lançamento neste mês de "Maria e o Cangaço" confirma a impressão de que o padrão de qualidade da Disney inclui a suavização dos aspectos mais polêmicos e espinhosos das suas produções.

Livremente inspirada em um livro da jornalista Adriana Negreiros, "Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço" (editora Objetiva), a série em seis episódios busca mostrar como era a vida das mulheres que acompanhavam os cangaceiros do grupo de Lampião.

A produção supõe que os espectadores conheçam bem a história do cangaço brasileiro. Com exceção de um letreiro inicial, informando que "enquanto o presidente Getúlio Vargas consolidava seu poder, grupos de cangaceiros vagueavam pelo sertão desafiando as autoridades", praticamente não há contextualização sobre a história que será contada.

É verdade que Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, o mais famoso líder do cangaço, já foi representado em um sem-número de produções audiovisuais, mas será que o espectador da Disney o conhece?

Por que grupos como o de Lampião vagueavam pelo sertão desafiando as autoridades? Por que o cangaceiro se ofendia quando o seu grupo era chamado de "bando"? Não há qualquer pista que ajude a responder a essas questões em "Maria e o Cangaço".

O cangaço é um fenômeno brasileiro, que expõe graves problemas sociais, a ineficiência do Estado e o banditismo no Nordeste desde o século 19 até meados do século 20. Um espectador que não saiba disso não tem como entender a fala de um militar no sexto episódio: "Fui enviado para varrer essa praga comunista que vocês chamam de cangaço".

O livro de Adriana Negreiros ilumina aspectos dramáticos do cotidiano das mulheres que integravam os grupos de cangaceiros. Eram vítimas de violência sexual, praticadas pelos próprios cangaceiros. Caso engravidassem, eram obrigadas a dar os filhos para criação.

A série atenua o drama, mas mostra que a mulher de Lampião tinha coragem para enfrentar, mesmo sem muito sucesso, o machismo do grupo. Maria ajuda outras companheiras, não concorda com que os homens recebam mais comida que as mulheres, protege as mais vulneráveis e até se recusa a ter relações sexuais com Lampião uma noite. "Que novidade é essa?", ele reclama.

A gravidez de Maria, e todo o drama que resulta desse acontecimento, é o ponto alto da série, um bom momento em que o roteiro arrisca provocar o espectador.

Filmada em Cabaceiras, na Paraíba, no interior da região do Cariri, "Maria e o Cangaço" tem paisagens belíssimas, uma fotografia deslumbrante, cenas de ação impactantes, ótima direção e um elenco afiado, com destaque especial para uma dupla de atores, Isis Valverde e Júlio Andrade, em estado de graça.

É uma série que merece muito ser vista, mas deixa a sensação de que poderia ter ido mais longe.

 


Edição EDIÇÃO 16681




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