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Cuiabá MT, Quarta-feira, 23 de Abril de 2025

POLÍTICA
Sábado, 19 de Abril de 2025, 13h:16

HISTÓRIA

Anistia mascarou violências antes de virar bandeira de Bolsonaro

O recurso já foi empregado 80 vezes ao longo do tempo, incluindo em momentos como a Independência, a Revolta da Chibata e o fim do Estado Novo

GUSTAVO ZEITEL
Da Folhapress - São Paulo
Bolsonaro - ato SP
Bolsonaro promove uma campanha de manifestações que dizem ser a favor da anistia para os condenados pelo Supremo pelos atos golpistas do 8 de janeiro

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), se volta ao passado ao manifestar apoio à anistia aos envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, bandeira do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), réu sob a acusação de tentativa de golpe.

Em protesto bolsonarista no início do mês na Avenida Paulista, em São Paulo, ele comparou a anistia a um remédio político conhecido e pressionou o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), a votar a matéria, enumerando alguns episódios históricos em que o perdão fora concedido.

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Uma pesquisa feita pela Agência do Senado, no acervo do Congresso, mostra que o recurso da anistia já foi empregado 80 vezes ao longo do tempo, incluindo em momentos como a Independência, a Revolta da Chibata e o fim do Estado Novo.

O recorrente emprego do perdão como saída política, afirmam especialistas, está ligado à dificuldade que a população tem de enfrentar crises e punir quem se deve, numa tendência de pacificação.

"Uma anistia agora mostraria que é possível tentar dar um golpe e nada acontecer", diz Paulo Ramirez, professor de ciências sociais da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).

"A impunidade é um recado de que um golpe contra a democracia pode ocorrer sem consequências."

Na visão de Ramirez, a tendência ao perdão está ligada ao conceito de cordialidade, tal como desenvolvido por Sérgio Buarque de Holanda em sua obra clássica "Raízes do Brasil", publicada em 1936.

O autor emprega a palavra cordialidade, cuja origem etimológica latina remonta ao que é próprio do coração, para criticar o traço comportamental brasileiro de mascarar a violência cotidiana, sempre com uma atitude carismática e afetuosa.

Não à toa, o especialista diz que o processo de redemocratização foi conservador.

Embora a Lei da Anistia, promulgada em 1979 no Governo João Batista Figueiredo, tenha possibilitado a volta de exilados políticos ao país, o perdão se estendeu a militares que torturaram e mataram -e nunca foram punidos.

A cordialidade, que se manifesta em uma postura conciliatória, reside na ambiguidade dessa lei.

"A redemocratização varreu para debaixo do tapete todos os crimes humanitários da ditadura, e mesmo partidos do regime militar passaram a atuar em plena democracia", afirma Ramiro.

Nesse aspecto, a proposta da base bolsonarista na Câmara é bem diferente.

Nela, não há ambiguidade, porque beneficia um único grupo social.

Em contraste, a Argentina condenou mais de mil pessoas por crimes cometidos na última ditadura, de 1976, como foi mostrado, há três anos, no filme "Argentina: 1985", do diretor Santiago Mitre.

A história da anistia no Brasil se iniciou no dia 7 de setembro de 1822.

O Imperador Dom Pedro 1º perdoou todos que tinham opiniões contrárias à Independência, com exceção daqueles que já estavam presos.

Do mesmo modo, a medida impôs uma única restrição: quem continuasse contra a Independência seria punido.

Décadas mais tarde, a República Velha seria marcada por sublevações sociais, a maioria delas resolvida com o pacto conciliatório.

Nessa época, o jurista Rui Barbosa, cumprindo mandatos como senador, surgiu como um defensor e teórico da anistia.

Ele apresentou, por exemplo, a proposta de perdão a quem se envolvera na Revolta da Vacina, marcada pela reação popular contra a política sanitária do ex-presidente Rodrigues Alves.

Barbosa também atuou pelo perdão aos marinheiros da Revolta da Chibata.

"A anistia não é senão o olvido do passado absoluto. Nem a história, nem o direito, nem a política a admitem senão como preparatório a uma nova ordem das cousas", dizia o jurista.

Liderada por João Cândido Felisberto, o Almirante Negro, a Revolta da Chibata foi motivada pelos castigos físicos contra os oficiais da Marinha, mesmo depois da escravatura.

O perdão concedido pelo ex-presidente Hermes da Fonseca mascararia a violência: o grupo de revoltosos foi preso e muitos deles mortos. Felisberto foi internado num manicômio.

Quatro décadas mais tarde, Getúlio Vargas empregaria o perdão a serviço de suas pretensões continuístas.

No fim do Estado Novo, anistiou todos os presos políticos durante a sua ditadura, incluindo integrantes da Intentona Comunista e do Levante Integralista.

Vargas foi deposto em outubro de 1945, por um movimento militar, liderado por generais que integravam seu governo.

Para a pesquisadora Maria Clara Spada de Castro, da UFRRJ, (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), cada anistia tem um significado político distinto, a depender do momento histórico.

Embora reconheça a tendência conciliatória, a pesquisadora lembra que não seria a primeira vez que oficiais do Exército seriam punidos, caso não haja agora anistia aos acusados de estarem entre os mentores dos ataques de 8 de janeiro.

Afinal, a Revolta Paulista de 1924 reuniu integrantes do chamado tenentismo que desejavam depor o então presidente Artur Bernardes, porque estavam insatisfeitos com os rumos do governo.

A especialista afirma que, na ocasião, parte dos militares foi condenada e punida pela revolta. "A maioria dos punidos era de baixa patente, porque os mais poderosos conseguiram fugir", diz Castro.

Na visão da pesquisadora, o que permanece na história brasileira é a dificuldade de se estabelecer limites entre os militares e os poderes democraticamente instituídos.

"Nós nunca conseguimos resolver de fato a questão militar no país", afirma Castro.

"Esses limites não foram bem delimitados, e a Lei da Anistia, de 1979, nos atrapalhou muito nesse sentido."


Edição EDIÇÃO 16681




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