A guerra parece um detalhe no filme "Tempo de Guerra", o que soa contraditório diante de uma premissa tão direta ao ponto. A trama do longa acontece em tempo real, o que significa que o público vê o desenrolar completo de uma operação militar americana na ocupação do Iraque nos anos 2000.
A proposta tem um quê ousado, mesmo que a sua lógica perca em ineditismo. Filmes como "Dunkirk", de 2017, e "1917", de 2019, brincaram com conceitos parecidos, e o gênero mesmo já está desgastado depois de tantas reinvenções do tipo. Por isso mesmo, pontos à produção por conseguir interesse em algo tão compacto.
Mas o que impressiona mesmo na produção de Alex Garland e Ray Mendoza é o quanto do conflito ele está disposto a deixar em segundo plano. O contexto da guerra ao terror do governo Bush poderia ser qualquer outro na história, assim como a origem dos soldados que emboscam a tropa americana.
Dos tiroteios só ouvimos as balas zunindo, mesmo quando bombas, tanques e jatos dos Estados Unidos aparecem. Já entre os corpos e feridos vemos apenas os soldados da operação. A ação está tão condicionada àquela equipe específica que a sensação de claustrofobia pinta no espectador tão logo o filme começa.
Parece pouco, mas isso fica em evidência diante da origem da história. Mendoza foi um dos sobreviventes da missão retratada no filme, trabalhando com Garland para reconstruir o evento nas telonas. A produção é cuidadosa com os fatos, o que só aumenta o estranhamento —e fascínio— sobre o quão vago ele se torna nos seus entornos.
Então o filme trata de quê? A tradução do título para o português prejudica um tanto a compreensão do jogo. "Tempo de Guerra" é um título esperto, mas o original, "Warfare", ou "estado de guerra", reforça que a missão daqueles soldados é temporária, com um tempo próprio e nada ordinário.
Este estado dá nome a todo o suspense da trama. Ele começa na invasão silenciosa da tropa a uma casa de dois andares qualquer, onde monta a sua operação; prossegue na vigilância paciente da vizinhança, em que os militares monitoram possíveis ameaças, e termina no conflito, com os americanos acuados diante da ofensiva do inimigo, que os encurralam na moradia.
A tensão muda de configuração a cada novo avanço da história, mas no geral é a mesma —a da espera, da indecisão. Uma hora, vemos um soldado exausto pelas horas de vigilância, esticando as costas e mascando tabaco. Pouco depois, com o tiroteio já em progresso, o aguardo do socorro médico é mais nervoso que os gritos incessantes de dor dos feridos.
Nesse tempo doido, os personagens navegam alheios, o que é terrível quando se está encurralado em um confronto armado. "Tempo de Guerra" soa nas melhores horas como o primeiro filme de guerra dedicado exclusivamente ao estresse pós-traumático dos soldados. O bom elenco liderado por Will Poulter transparece as feridas psicológicas criadas em meio à emboscada.
Mas o filme intriga mesmo pelo propósito do suspense. Os diretores parecem concordar na velha máxima dos danos da guerra, só que a obra oscila entre a recriação e a crítica mais direta ao assunto.
Com Garland, por exemplo, "Tempo de Guerra" se alinha com os seus outros trabalhos, em especial o antecessor "Guerra Civil", pelos poucos detalhes que surgem sobre a operação. O público nunca entende os pormenores, o que reforça que o sacrifício da tropa está a serviço da política de guerra esvaziada do governo da época.
Há ainda a cena em que um soldado orienta o outro a fingir autoridade no rádio e a ordenar o resgate médico apenas porque a burocracia do outro lado tenta bloquear o pedido. Uma cena desesperadora pelo nível de automatismo da conversa.
Ao mesmo tempo, o thriller toma o seu tempo para registrar as perdas da missão, sempre se aproveitando das jogadas estéticas que encena para a história. As simulações de surdez e de confusão mental dos soldados, após bombardeios inimigos e rasantes de jatos aliados, devem somar bons 15 minutos dentro da duração curta de 90.
Esse cuidado também lembra a carreira de Garland, mas tem mais a ver com a fidelidade do longa aos rituais militares. Essa obsessão se encaixa com o histórico militar de Mendoza, que dá cor ao modo de agir quase mecânico dos soldados durante as táticas de campo.
Então o filme tem uma voz firme contra a guerra, mas não se furta de certo fetiche pelas operações. A contradição faz bem a "Tempo de Guerra", até porque traz dimensão humana ao exercício narrativo. A obsessão com o tempo é o de menos perto do apuro daqueles homens, e o thriller funciona mesmo ao acessar o turbilhão emocional do momento.